sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Análise do Poema "Lisboa Revisitada" de Álvaro de Campos

Lisboa Revisitada

(Álvaro de Campos)

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-a!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro a técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havermos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja a companhia!
Ó céu azul – o mesmo de minha infância –
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Análise

Características modernistas presentes no poema de Álvaro de Campos:
  •          Versos livres;
  •          Estrofes heterogêneas;
  •          Linguagem coloquial, informal.

     Desde o começo do poema o sujeito poético passa um tom de irritado, revoltado ao seu discurso, que se caracteriza pelas negações: as conclusões, as estéticas, a metafísica, a moral, os sistemas completos das ciências, das artes e da civilização moderna, a verdade, por exemplo, no verso – Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!), podemos observar com maior clareza a postura irônica do sujeito poético perante os valores por ele negados.

    Na sexta estrofe o sujeito poético se define como um técnico e, simultaneamente, como um “doido”, como pode ser visto nos versos: "Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro a técnica";"Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo".

    Na sétima estrofe percebemos a divisão entre racionalidade (técnica) e irracionalidade (loucura). A ironia faz referência ao modo de vida burguês, com suas instituições, comportamentos rotineiros comuns, como pagar impostos, a suafalta de coerência em relação ao mundo em que vive, como no verso: "Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?".

    O sujeito poético também se apoia na morte e na solidão para renegar esses valores do mundo, revelando sua marginalidade, seu desajustamento em relação a vida.



Feito por: Paulo Ferraz

1 comentários:

Unknown disse...

Álvaro de Campos. Bárbaro poeta que não se encaixa em nenhuma estética....

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